Visões de Além-fronteiras: Jornalismo e Fotografia na Lente dos Especialistas
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Página 1, Segunda-feira, Setembro 23, 2024
Visões de Além-fronteiras: Jornalismo e Fotografia na Lente dos Especialistas

Uma Visão Romantizada da Transição Portuguesa
Noemi Diaz Rodríguez, doutorada da Universidade de Oviedo, começou a sua apresentação num evento na Universidade Fernando Pessoa com uma provocação: "Como vê Espanha o seu país vizinho? Romantizado." Noemi destacou a diferença na maneira como Portugal e Espanha lidam com os seus passados autoritários, chamando a atenção para um "romantismo" que marca a visão espanhola sobre a transição portuguesa.

Segundo Noemi, embora ambos os países tenham passado por ditaduras simultâneas — o Estado Novo em Portugal e o Franquismo em Espanha — a rutura portuguesa em 1974, vista como um momento de revolução e libertação, contrasta fortemente com a transição espanhola. Para ela, a transição democrática de Portugal foi apresentada de forma mais "idílica"e parece ter alcançado uma certa "pacificação" com a sua memória histórica. Já na Espanha, a transição do franquismo para a democracia foi, segundo Noemi, menos genuína e mais propagandística.
"Portugal deixou de existir nos nossos meios de comunicação. Os meios de comunicação espanhóis passaram a ignorar Portugal, e havia uma tentativa de se diferenciar,” afirmou.
Noemi critica o que considera um "presumido mito" de transição democrática em Espanha, que na verdade foi imposto sem grande participação popular. "Em Espanha, a transição foi uma troca de camisas. A democracia não foi decidida pela sociedade", afirmou. Após a morte de Franco em 1975, houve apenas uma troca de poderes entre as elites do regime que, na opinião de Noemi, foi idealizada pelos meios de comunicação como democrática, mas que pouco representou uma verdadeira rutura com o passado franquista. A comparação com Portugal é evidente: "Portugal conseguiu acabar com a ditadura de um modo quase idílico", contrastando com a imposição de uma monarquia e de um modelo político que manteve as estruturas do Franquismo. Noemi também destacou como, após a restauração da monarquia em Espanha, a relação com Portugal foi marginalizada pelos meios de comunicação espanhóis. "Portugal deixou de existir nos nossos meios de comunicação", afirmou Noemi. Esse distanciamento persistiu, resultando numa percepção simplista e romantizada dos portugueses — vistos como uma nação pacífica que alcançou uma libertação ideal, algo que, segundo Noemi, não corresponde à complexidade da história política recente dos dois países.
Mulheres na Vanguarda do Fotojornalismo do Futuro

No término da apresentação de Noemi Diaz, foi dedicado um momento às perguntas da audiência, proporcionando um aprofundamento das ideias apresentadas e a clarificação de temas essenciais. Inês, estudante de Ciência Política, trouxe à conversa o papel das mulheres no futuro do fotojornalismo, perguntando qual a missão de Noemi em relação ao feminismo nesse campo. Noemi respondeu que, embora tenham sido feitas muitas conquistas, ainda há uma "janela constantemente fechada" em relação ao papel das mulheres."Existem muitas luzes que abriram o caminho, mulheres que contribuíram significativamente para a história do fotojornalismo, mas as suas histórias permanecem pouco conhecidas e estudadas."Quanto à relação entre a fotografia documental espanhola e portuguesa, Noemi expressou o interesse em analisar como os regimes ditatoriais dos dois países utilizaram as representações visuais para consolidar o poder. "O franquismo, por exemplo, utilizou a ideia da 'reconquista' para se legitimar, um conceito que não tem base histórica e foi apenas uma construção visual", afirmou.
Quando questionada por José Costa sobre o referendo à Constituição, Noemi destacou a falta de uma verdadeira depuração profissional: o referendo foi parte de um processo que visava legitimar a transição, mas que, na prática, manteve muitos dos elementos do regime anterior, muitos dos políticos do novo regime vieram diretamente das familias franquistas. Até hoje, a Guerra Civil é estudada sob a perspetiva dos vencedores nacionalistas, enquanto a memória dos republicanos é frequentemente desconsiderada ou distorcida.Matias, aluno também daquela turma, levantou o tema da desinformação nas redes sociais, e Noemi foi clara ao descrever a situação em Espanha. "Estamos numa etapa de desinformação promovida pelos meios de comunicação, o que cria uma visão idealizada e errada do país", explicou. Noemi descreveu uma situação em que os jovens, na sua maioria, deixam de consultar jornais tradicionais e consomem informações apenas nas redes sociais, o que limita o debate político a um "teatro digital".
José questionou ainda sobre a relação entre o Partido Popular (PP) e as tradições políticas espanholas na moldagem da democracia atual. Noemi destacou a instabilidade do sistema político espanhol, marcado por uma crescente polarização entre direita e esquerda e o surgimento de novos partidos de extrema direita, como o Vox. "Vivemos um período de forte nacionalismo, especialmente entre os jovens", alertou Noemi.
"Hoje em dia, os noticiários só mencionam a nacionalidade quando o autor não é espanhol."
Ariana, ainda no âmbito de levantar questões, introduziu a questão da xenofobia no discurso político espanhol, trazendo como exemplo o uso frequente da nacionalidade em notícias sobre crimes envolvendo imigrantes, como pessoas de origem marroquina. Ela destacou que os meios de comunicação têm liberdade de expressão, mas essa liberdade é muitas vezes utilizada para perpetuar discursos de ódio.
“Há uma intencionalidade nesse tipo de discurso, e ele é reforçado, especialmente pela extrema-direita", afirmou. Os meios de comunicação espanhóis têm utilizado o mesmo vocabulário que os jovens, por exemplo usam a palavra “Mena” para se dirigirem a pessoas de origem marroquina e essa palavra é muito usada pelos jovens da extrema direita.O crescimento da extrema-direita europeia
No encerramento da apresentação, um dos temas que emergiu com destaque foi a ascensão da extrema direita tanto em Espanha quanto em Portugal, especificamente através dos partidos Vox e Chega. Noemi foi questionada sobre as semelhanças e diferenças entre os dois movimentos, e também sobre a resposta dos jovens a essa nova configuração política. Ela destacou como os meios de comunicação em ambos os países desempenham um papel significativo na amplificação das mensagens desses partidos, criando uma percepção de força que, em certos momentos, parece até superar o impacto de partidos tradicionais.

Segundo Naomi, a linguagem utilizada pelos meios de comunicação contribui para a popularização de partidos como Vox e Chega, ao fazer eco de um discurso que apela ao nacionalismo e ao conservadorismo. Ela explicou que em Espanha, Vox tem ganho terreno com o apoio da juventude, impulsionado pelo sentimento de patriotismo e a necessidade de uma identidade nacional forte. Já em Portugal, a ascensão do Chega reflete dinâmicas semelhantes, mas com particularidades culturais e políticas que tornam a resposta dos jovens portugueses um pouco mais fragmentada e menos homogênea do que a espanhola.
A conexão entre Vox e Chega, segundo Noemi, dá-se principalmente pelo alinhamento dos seus discursos nacionalistas e pela exploração de questões como imigração e segurança pública, pautando o debate com um forte apelo ao medo e à preservação dos "valores tradicionais". Ela mencionou ainda que, em muitos casos, os meios de comunicação tratam essas questões de forma enviesada, contribuindo para a legitimação de discursos xenófobos e de exclusão, sem a devida contextualização ou contraditório.
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