Eleições EUA 2024: Entre a Democracia e a Polarização - Um Retrato do Futuro Americano"

Análise das Eleições Americanas 2024

Como Funcionam as Eleições Americanas e o Cenário Político Atual

Uma análise detalhada sobre o impacto e as disputas de 2024

As eleições presidenciais nos Estados Unidos destacam-se pelo seu caráter único e complexo, sustentado por um sistema de Colégio Eleitoral que combina elementos de democracia direta e indireta. Este modelo, central para a escolha do presidente e do vice-presidente, reflete a diversidade e a descentralização política do país, conferindo um peso diferenciado aos estados na definição do resultado eleitoral. Além disso, as propostas dos principais candidatos, como Donald Trump e Kamala Harris, evidenciam divergências profundas em áreas cruciais como economia, educação, meio ambiente e política internacional, moldando o debate político e influenciando o futuro do país e do mundo.

O Sistema do Colégio Eleitoral

O voto popular é o voto direto dos cidadãos para o candidato da sua preferência. Cada eleitor escolhe um candidato, e os votos são contados por estado. No entanto, o vencedor do voto popular em cada estado não determina diretamente o vencedor da eleição presidencial. A decisão final é feita pelo Colégio Eleitoral.O número total de delegados no Colégio Eleitoral é de 538, representando a soma de senadores (dois por estado), deputados da Câmara dos Representantes e três delegados atribuídos a Washington D.C. Cada estado tem um peso específico, que depende da sua população. Por exemplo, a Califórnia, o estado mais populoso, tem 54 delegados, enquanto Delaware, um dos menores, possui apenas três. O modelo “winner-takes-all”, adotado por 48 dos 50 estados, significa que o candidato que obtém a maioria simples no voto popular de um estado leva todos os seus delegados. As exceções, Maine e Nebraska, distribuem os votos proporcionalmente: dois grandes eleitores para o vencedor do voto geral no estado e um para cada distrito congressional ganho. Após as eleições, os delegados do Colégio Eleitoral reúnem-se para formalizar a escolha do presidente, e o Congresso ratifica os resultados em janeiro. Este sistema, apesar de inovador, não reflete diretamente o voto popular, o que explica como candidatos como George W. Bush (2000) e Donald Trump (2016) venceram as eleições mesmo obtendo menos votos populares do que os seus adversários.

As Eleições de 2024: Resultados

Na eleição presidencial dos Estados Unidos de 2024, Donald Trump obteve 76,8 milhões de votos populares, superando os 74,2 milhões que recebeu em 2020 e os 63 milhões de 2016. Kamala Harris, candidata pelo Partido Democrata, recolheu 74,3 milhões de votos, comparados aos 81,3 milhões de Joe Biden em 2020 e aos 65,8 milhões de Hillary Clinton em 2016. A diferença de votos entre Trump e Harris foi de 2,53 milhões, contrastando com os 7,06 milhões de vantagem de Biden sobre Trump em 2020 e os 2,87 milhões de Clinton sobre Trump em 2016. Isso posiciona Trump como o terceiro presidente menos eleito desde 1980, depois de ele próprio em 2016 e George W. Bush em 2000, que também perdeu o voto popular, mas venceu no Colégio Eleitoral. 153,9 milhões de votos foram apurados, um número abaixo dos 158,4 milhões de 2020, mas superior aos 136,7 milhões de 2016. A diferença crucial em estados chave, como Wisconsin, Michigan e Pensilvânia, foi determinante para o resultado. Kamala Harris ficou a 232.583 votos de alcançar os 270 necessários para vencer, com déficits específicos de votos nestes estados: 29.398 em Wisconsin, 81.587 em Michigan e 121.598 na Pensilvânia. Donald Trump obteve 49,9% dos votos, enquanto Kamala Harris ficou com 48,3%. Além disso, 2,78 milhões de votos foram para outros candidatos, como Jill Stein com 774.536 votos e Robert F. Kennedy Jr. com 748.272 votos. A participação por correio ou antecipada, que superou os 88 milhões de votos, representou mais da metade do total de eleitores, em comparação com os 40% de 2016 e os 70% em 2020 devido à pandemia de Covid-19. Trump também viu um aumento significativo nos seus votos na Flórida e no Texas, com 2,4 milhões de votos adicionais, representando uma grande parte da sua vitória em 2024, especialmente nesses dois estados que respondem por cerca de 15% da população dos EUA. Em termos de financiamento, estima-se que os grupos independentes gastaram 4,45 mil milhões de dólares em 2024, um valor significativamente superior aos 2,95 mil milhões gastos nas eleições de 2020. O valor total das eleições federais e locais é estimado em mais de 20 mil milhões de dólares. Esses resultados demonstram um aumento na polarização e nas batalhas em estados swing, enquanto a crescente tendência de votos antecipados e por correio continua a moldar o cenário eleitoral americano.

Fonte: CNN

Votos Latino Americanos

Donald Trump conseguiu atrair um apoio sem precedentes de eleitores latinos em 2024, desafiando a longa tendência de alinhamento desse grupo com o Partido Democrata. Esta mudança significativa foi impulsionada por uma combinação de fatores econômicos, culturais e sociais. Primeiramente, muitos eleitores latinos enfrentaram dificuldades financeiras relacionadas à inflação pós-pandemia. Trump capitalizou essas preocupações com promessas de redução de impostos, controle da inflação e incentivos econômicos. Eleitores da classe trabalhadora, como motoristas de entrega e pequenos empresários, sentiram que as suas políticas poderiam aliviar os encargos econômicos que vinham enfrentando. Além disso, Trump reforçou laços com valores tradicionais latinos, como a defesa da família, do trabalho e da religião. Essa conexão foi crucial para atrair eleitores em comunidades que viam as políticas democratas como cada vez mais desconectadas dos seus valores culturais. Temas como educação e resistência ao ensino de teorias progressistas também contribuíram para essa mudança. Outro fator central foi a sua abordagem sobre imigração e fronteiras. Embora polêmicas, as propostas de Trump para reforçar a segurança e combater a imigração ilegal foram bem recebidas por alguns latinos que acreditam na necessidade de proteger o sistema legal e promover imigração ordenada. Eleitores de origem venezuelana e cubana, particularmente na Flórida, também se mostraram preocupados com o "socialismo", vendo Trump como uma barreira contra políticas que consideravam semelhantes às de regimes autoritários nos seus países de origem. Por fim, a sua habilidade de unir esses elementos numa mensagem clara e consistente contribuiu para consolidar o seu apelo entre os eleitores latinos, resultando numa mudança eleitoral marcante. A coalizão que ele construiu reflete um redirecionamento estratégico de eleitores que historicamente apoiavam os democratas para as promessas republicanas de segurança econômica e cultural.

Donald Trump: Propostas de um Líder Controverso

Donald Trump apresenta um programa político que mescla protecionismo econômico, políticas de imigração rígidas e um ceticismo notório em relação às mudanças climáticas.

Imigração
Trump quer retomar a construção do muro na fronteira com o México e reforçar medidas como o programa “Remain in Mexico”, que obriga requerentes de asilo a aguardarem as suas audiências fora do território americano. Ele também propõe barrar a entrada de cidadãos de países de maioria muçulmana e fortalecer a agência de imigração (ICE).
Economia
A sua política econômica é centrada no protecionismo, promovendo o programa “Buy American, Hire American”. Propõe uma tarifa mínima de 10% sobre importações e tributações mais agressivas contra a China. Internamente, quer perpetuar cortes fiscais para empresas e indivíduos, introduzidos em 2017 com o Tax Cuts and Jobs Act. Trump também defende a desregulação da inteligência artificial e apoia Elon Musk, propondo o fim de barreiras às criptomoedas e às NFTs. Ele rejeita a criação de um banco central de criptomoedas, defendendo a liberdade de mineração individual.
Educação e Liberdades Individuais
Trump é contra o ensino de teorias como a crítica racial ou a doutrina de género, promovendo a valorização dos princípios fundadores dos EUA. Propõe a descentralização da educação, removendo o Departamento de Educação Federal. No que toca ao aborto, Trump opõe-se a uma proibição federal, defendendo que cada estado decida a sua legislação. Quanto ao controlo de armas, incentiva a posse armada por professores e rejeita restrições a armas automáticas.
Política Internacional e Meio Ambiente
Trump mantém uma abordagem combativa em relação à NATO, exigindo maior contribuição financeira dos aliados, e reafirma o seu apoio a Israel. No campo ambiental, rejeita o Acordo de Paris e promove o uso de combustíveis fósseis, incluindo a exploração de reservas no Alasca.
Fonte: Hindustan Times

Kamala Harris: Uma Visão Progressista

Kamala Harris construiu a sua candidatura sobre pilares como justiça social, sustentabilidade e políticas inclusivas. A sua plataforma inclui:

Economia
Harris propõe cortes fiscais para a classe média e trabalhadores, financiados por impostos sobre famílias de alta renda. Defende o crédito fiscal para a compra da primeira casa, visando combater a crise habitacional.
Educação
Em oposição a Trump, Harris quer expandir o financiamento federal para a educação pública e proteger currículos que abordem questões de género e raça.
Saúde e ambiente
Harris trabalha pela redução do preço da insulina para 35 dólares e pela ampliação do programa Medicare. No ambiente, apoia a transição energética, mas ajustou a sua posição em relação ao fracking, refletindo as complexidades econômicas e eleitorais de estados-chave como a Pensilvânia.
Política internacional e imigração
Harris apoia a Ucrânia e defende um cessar-fogo em Gaza, condicionando-o a garantias de segurança para Israel. Na imigração, defende consequências rigorosas para criminosos, mas propõe soluções humanitárias e revisões no acesso à cidadania.

E agora? Um olhar sobre as pós eleições

As eleições presidenciais de 2024 nos Estados Unidos terão repercussões significativas a nível interno e internacional, moldando o futuro político, económico e social do país e influenciando o equilíbrio global. A vitória de Donald Trump, aliada ao controlo do Senado e, possivelmente, da Câmara dos Representantes pelos Republicanos, aponta para uma continuidade de políticas protecionistas e uma postura mais unilateral no cenário internacional. Do ponto de vista interno, preocupações emergem sobre o impacto nas liberdades civis e nos direitos humanos. Segundo a Harvard Kennedy School, pode haver uma regressão nos avanços em direitos fundamentais, incluindo os direitos das minorias e das comunidades mais vulneráveis. Além disso, a polarização política poderá intensificar-se, dificultando a governabilidade e aumentando as divisões sociais. Internacionalmente, a reintrodução de tarifas comerciais, especialmente em relação à China, promete exacerbar tensões económicas globais. A retórica protecionista e as políticas unilaterais de Trump podem levar a retaliações comerciais, afetando cadeias de abastecimento e pressionando a economia global. Além disso, alianças tradicionais, como a NATO e parcerias com a União Europeia, podem ser postas em causa, levando a um enfraquecimento da liderança global dos EUA. A nível empresarial, o ambiente global pode tornar-se mais fragmentado e incerto. As empresas multinacionais terão de se adaptar a políticas comerciais mais restritivas, possíveis alterações nas regulações ambientais e mudanças nas cadeias de valor globais. Estas dinâmicas poderão incentivar um afastamento dos mercados norte-americanos em favor de blocos regionais mais estáveis. Embora o impacto total das eleições de 2024 ainda dependa da implementação das promessas de campanha e do contexto global, é claro que as decisões políticas tomadas nos próximos anos definirão não apenas o futuro dos Estados Unidos, mas também as dinâmicas económicas e geopolíticas mundiais.

Estrela Dias

Aluna e Autora de The Silver Type

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