Imigrar, Ensinar e Compreender: Perspectivas de João Carvalho sobre o Ensino do Jornalismo e a Migração Brasil-Portugal
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Imigrar, Ensinar e Compreender: Perspectivas de João Carvalho sobre o Ensino do Jornalismo e a Migração Brasil-Portugal
Um olhar comparativo entre dois mundos educativos

João Carvalho, jornalista e professor, especialista em ensino do jornalismo, aborda com profundidade as diferenças entre os sistemas educativos de Portugal e do Brasil. Pós-graduado na área e atualmente a realizar um doutorado sobre o ensino do jornalismo no Brasil, João destaca que a estrutura do ensino brasileiro é mais fechada, enquanto o modelo português oferece maior flexibilidade. Segundo ele, no Brasil, a formação jornalística está integrada em cursos mais amplos e cuidados de interconexões com outras áreas. Por exemplo, uma disciplina de jornalismo aplicada, comum em Portugal, seria renovada no Brasil por algo mais genérico, como ciência política.
“No Brasil, não há a tendência de estudo nem uma carreira específica de investigação no jornalismo, como se vê aqui em Portugal”, sublinha.
Para os jovens brasileiros, a formação universitária é uma escolha de grande peso, marcada por questões econômicas, já que 80% das universidades são privadas, o que influencia a simplificação dos currículos.
As nuances da imigração
Residente em Portugal, João partilha as suas vivências como imigrante e reflete sobre as complexidades de migrar. Apesar de se sentir reunido como professor, confirma que o sistema burocrático português é um desafio, sobretudo para quem chega sem o apoio de um vínculo laboral sólido. "Só consegui manter-me aqui graças ao meu trabalho no Brasil. Para quem não tem essa rede de apoio, viver em Portugal pode ser extremamente duro", afirma. Ele relata as dificuldades enfrentadas para regularizar o visto e matricular o filho na escola, descrevendo um sistema que, em muitos casos, parece ineficaz e desgastante. João também enfatizou o impacto das redes sociais na idealização da vida no exterior, que muitas vezes promove uma visão parcial e romantizada.
“A burocracia aqui é menos digitalizada que no Brasil, e há momentos em que percebemos mais vontade, até mesmo de outros imigrantes”, lamenta.
Entre memórias e reflexões

A experiência migratória de João remonta à infância, quando viveu em Paris com os avós. As memórias desse período, embora vagas, ajudam-no a contextualizar o debate contemporâneo sobre migração. “Nos anos 90, já se discutia migração e nacionalismo. O discurso anti-imigração, tão presente hoje, não é novo. Mas o refluxo nacionalista que vemos atualmente, tanto no Brasil como na Europa, reflete uma crise de globalização”, analisa. Para ele, o fenómeno migratório carrega uma dualidade: ou há acolhimento genuíno, ou um afastamento que dificulta a integração. João relaciona essas questões com o nacionalismo crescente, exemplificado por discursos políticos como o de Bolsonaro no Brasil ou o de movimentos como o Chega em Portugal. Ele alerta para os perigos do isolamento nacionalista, registando os impactos históricos deste tipo de retórica.
Perguntas do Público
A falta de cobertura em temas sociais frente ao apelo de celebridades
Quando confrontado com a ausência de cobertura jornalística em casos sociais menos mediáticos, como o incidente envolvendo as gêmeas, tema mencionado pela aluna Inês, João Carvalho revelou que nunca ouvira falar sobre o tema. Ele explicou que, na imprensa, o foco recai frequentemente sobre histórias que garantam maior audiência, como casos de celebridades. Citou, como exemplo, a disputa judicial da atriz Luana Piovani pela guarda dos filhos, em que esta acusou o tribunal de machismo, um episódio que gerou ampla repercussão nos meios de comunicação.
Abordando o impacto das igrejas evangélicas na política, Inês aluna de CPRI citou o caso de uma cantora brasileira que desenvolveu um mestrado sobre o tema. A tese intitulada “Por amor de Deus, votem em mim” abordava a influência das igrejas no comportamento político-eleitoral, destacando como a religião tem moldado a política brasileira de maneira profunda.
"No Brasil, as igrejas evangélicas têm usado a sua força organizacional e alcance para tomar posições de poder e influenciar diretamente as decisões do Estado. É um fenómeno muito consolidado que agora começa a ser observado em Portugal, especialmente em cidades como Porto e Gaia, onde já vemos um crescimento da presença evangélica,” explicou João.Segundo ele, o aumento da influência evangélica não é apenas religioso, mas reflete uma estratégia política bem delineada. “Essas igrejas sabem do poder que têm e utilizam isso de forma muito calculada para ampliar o seu alcance político. É um tema que precisa ser discutido mais profundamente porque traz consequências diretas para a configuração das políticas públicas e para a dinâmica social,” analisou. Sobre os desafios de imigrar para Portugal, João enfatizou que os processos burocráticos podem ser complexos, mas a preparação pessoal e o planeamento são cruciais. Ele destacou que, embora a burocracia possa ser semelhante para todos, aspectos como a estabilidade contratual — no caso, o vínculo da sua esposa com uma universidade pública — podem fazer toda a diferença. “Para muitos imigrantes, questões políticas ou económicas tornam o retorno ao país de origem quase impossível, o que pode tornar a experiência ainda mais desesperadora,” refletiu. Além disso, ele chamou atenção para a idealização da vida no exterior. “Na universidade e nas redes sociais, a vida de imigrante é muitas vezes romantizada. O conteúdo que consumimos é moldado para atender ao que desejamos, mas nem sempre reflete a realidade. As redes sociais entregam apenas o que acham que queremos ver, criando um ciclo de mitos que reforçam as nossas percepções, mas nem sempre são necessárias para o nosso conhecimento,” acrescentou.
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