Texto de opinião: Eleições Americanas e Mulher

O papel das mulheres na política americana

O papel das mulheres na política americana

O Impacto das Eleições Americanas nos Direitos das Mulheres

As eleições presidenciais americanas de 2024 trouxeram à tona questões profundas sobre o papel das mulheres na política, na sociedade e nas dinâmicas de poder que regem os Estados Unidos. Apesar de pequenos avanços em representação feminina em alguns cargos, o contexto geral foi marcado por estagnação, retrocessos e um preocupante aumento de retórica misógina e ataques direcionados contra mulheres, especialmente nas redes sociais.

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Representatividade feminina na política

Apesar da expectativa de que esta eleição pudesse trazer avanços significativos para as mulheres, os resultados revelaram um quadro de continuidade. Atualmente, as mulheres ocupam 29% dos assentos na Câmara dos Representantes, 25% no Senado e cerca de um terço dos cargos legislativos estaduais – números que não sofreram mudanças expressivas após 2024. A eleição trouxe algumas conquistas históricas, como a eleição das primeiras mulheres negras para o Senado em Maryland e Delaware, bem como a primeira representante abertamente transgênero no Congresso, Sarah McBride. Contudo, estes marcos positivos foram exceções num cenário geral de estagnação. A representatividade feminina no Senado continua presa a 25 membros desde 2019, e a diversidade em cargos legislativos também apresentou poucos avanços, com perda de representantes negras e indígenas. Um dos aspetos mais preocupantes destas eleições foi o aumento da divergência partidária na representação feminina. Enquanto os Democratas continuam a avançar em direção à paridade de género, os Republicanos recuaram significativamente. Após um breve crescimento em 2020 e 2022, o número de mulheres republicanas que se candidataram e venceram primárias caiu consideravelmente. Esta disparidade reflete um desalinhamento profundo entre os dois partidos em relação à inclusão de mulheres nas suas fileiras políticas, reforçando a polarização no sistema político americano.

Vamos falar de números

Apesar de avanços na percepção pública, apenas 16% acreditam que as mulheres estão muito bem representadas na política, enquanto 56% dizem que essa representação é muito importante, um aumento em relação a 2016. A expectativa de uma presidente mulher cresceu: 37% acreditam que isso acontecerá nos próximos cinco anos, um salto significativo em comparação com 12% após a derrota de Hillary Clinton em 2016. Entretanto, 45% dizem que não se importa se isso ocorrerá nas suas vidas. Entre democratas, 86% agora desejam ativamente uma presidente mulher, em comparação com 59% em 2016.

Na eleição de 2024, as previsões de um afastamento histórico das mulheres de Trump não se confirmaram. Cerca de 45% delas votaram nele, frente a 55% dos homens, um aumento em relação a 2020. Trump também expandiu o seu apoio entre jovens mulheres (crescimento de 11 pontos percentuais) e jovens homens. Contudo, a diferença de gênero foi mais evidente entre eleitores de minorias. Homens hispânicos foram 17 pontos mais propensos a votar em Trump do que mulheres hispânicas, apoiando-o quase na mesma proporção que homens brancos (55% contra 60%). Já entre mulheres negras, apenas 9% votaram em Trump, enquanto 77% dos homens negros também apoiaram Harris. A eleição reforça a necessidade de analisar por que fatores que levam homens de minorias a apoiar Trump não afetam mulheres da mesma forma. Além disso, enquanto estados aprovavam iniciativas para liberalizar leis sobre aborto, preocupações sobre direitos reprodutivos não motivaram mudanças significativas no voto das mulheres brancas. O tratamento das mulheres na política segue desigual: 40% acreditam que os meios de comunicação são mais severos com elas do que com os homens, e 39% dizem que a aparência das candidatas é mais discutida do que as suas posições políticas. Além disso, 34% apontam que doadores são menos generosos com mulheres candidatas. Apesar disso, 64% dos americanos concordam que o respeito pelas mulheres na política aumentou nos últimos 15 anos. Quanto ao feminismo, 55% dos americanos não se identificam nem como feministas nem como antifeministas. Entre mulheres, 31% consideram-se feministas, com maior prevalência entre apoiadoras de Harris (60%) e aquelas com diplomas universitários (43%). Entre homens, 17% identificam-se como feministas, sendo mais comuns entre jovens e apoiadores de Harris. Já entre apoiadores de Trump, a identificação antifeminista é mais frequente.

O debate em torno dos direitos reprodutivos foi central nesta eleição, com Trump a afirmar que protegeria as mulheres "gostem ou não". Essa postura paternalista foi acompanhada por ataques diretos a mulheres que defendem o direito de escolha, incluindo campanhas online que pedem a revogação da 19ª Emenda, que garante o direito de voto às mulheres.

Movimentos antifeministas, como os que promovem a chamada “manosfera”, alimentaram um discurso hostil e misógino, que foi amplamente disseminado por líderes de opinião da extrema-direita. Frases como “we own your body” e campanhas contra greves sexuais femininas demonstram como as mulheres continuam a ser vistas por certos setores da sociedade como alvos fáceis para controlo e opressão. Desde a reeleição de Donald Trump, redes como X (antigo Twitter) e TikTok tornaram-se palco de ataques sexistas, amplificados por figuras como Nick Fuentes, conhecido nacionalista branco e negador do Holocausto. Frases como "O vosso corpo, a minha escolha" – uma distorção do slogan pró-direitos reprodutivos "O meu corpo, a minha escolha" – proliferaram, ganhando tração não apenas online, mas também em contextos offline, como escolas. Descrição da imagem O aumento de 4.600% nas menções dessa frase após a eleição revela a forma como extremistas online se sentem empoderados pela vitória de líderes como Trump e JD Vance, cujos discursos frequentemente reforçam ideias retrógradas sobre o papel das mulheres. Mais alarmante é a forma como essa retórica materializa-se no mundo real, desde assédios verbais em escolas até ameaças implícitas de violência nas redes. Esses incidentes destacam o perigo de tratar o discurso de ódio online como algo isolado, quando, na verdade, ele serve como catalisador para ações no mundo físico.

Futuro das mulheres

Grupos de direitos das mulheres estão a organizar-se, litigando, advogando e conscientizando para combater as ameaças ao aborto. No mundo todo, ativistas estão mais coordenadas do que nunca, à procura de mudar leis e educar comunidades sobre os perigos das restrições ao acesso à saúde. Nos Estados Unidos, 8 de 10 estados com medidas relacionadas ao aborto nas eleições recentes tiveram resultados favoráveis aos direitos reprodutivos, e, na América Latina, a Onda Verde, símbolo de um movimento internacional pelos direitos das mulheres, tem obtido avanços significativos, com ações que vão desde marchas até processos legais. Sob um segundo mandato de Trump, os direitos das mulheres podem enfrentar novos retrocessos. No local de trabalho, políticas de transparência salarial podem ser revertidas, e imigrantes indocumentadas podem sentir medo de denunciar abusos. Na saúde, há riscos de cortes em programas como o Medicaid e no Affordable Care Act, dificultando o acesso de mulheres de baixa renda a cuidados básicos. Além disso, barreiras no acesso à vacina contra o HPV e aos tratamentos para doenças como o cancro cervical são preocupações, sobretudo para mulheres negras, devido ao racismo estrutural e à desigualdade. No campo educacional e da liberdade de expressão, restrições ao conteúdo LGBT em escolas e ataques à igualdade de gênero são esperados, com o possível desmonte do Departamento de Educação. Internacionalmente, a restauração da Declaração de Consenso de Genebra, uma medida antiaborto promovida durante o primeiro mandato de Trump, e o retorno da Política da Cidade do México, que impede financiamento a organizações que oferecem aconselhamento sobre aborto, ameaçam os direitos reprodutivos globalmente. Diante dessas ameaças, organizações como a Human Rights Watch continuam a investigar abusos, divulgando as suas descobertas e pressionando por mudanças. Apesar dos desafios, o movimento global pelos direitos das mulheres oferece esperança, com conexões entre África, Ásia, Américas e Europa, mostrando solidariedade em lutas que vão além do aborto, abrangendo liberdade de expressão, democracia e direitos econômicos.

Movimento 4B

Nos Estados Unidos, um movimento feminista conhecido como 4B tem ganhado destaque desde as eleições americanas. Originado na Coreia do Sul, esse movimento rejeita todas as formas de relacionamento com homens. A sigla "4B" é derivada da palavra coreana "bi", que significa "não", e representa quatro pontos principais: a recusa ao casamento com homens, a abstenção de relações sexuais com homens, a recusa ao encontro com homens e a rejeição à participação em atividades produtivas relacionadas ao masculino. Em essência, o movimento procura desafiar e desmantelar as estruturas tradicionais da sociedade patriarcal. O movimento 4B surgiu na Coreia do Sul como uma resposta à crescente misoginia no país. Em 2016, um estudo do Ministério da Igualdade de Gênero revelou que mais de 40% das mulheres enfrentavam violência conjugal. Após as eleições nos Estados Unidos, o movimento ganhou visibilidade internacional, com muitos vídeos circulando nas redes sociais, especialmente no TikTok, onde mulheres filmavam-se raspando a cabeça como uma forma de protesto. Nos Estados Unidos, há também um desejo crescente de renomear o movimento para "Lysistrata", inspirado na peça de teatro do dramaturgo grego Aristófanes, escrita no século V a.C. A obra conta a história de mulheres que, ao se recusarem a ter relações sexuais com os homens, conseguem convencê-los a cessar a guerra entre Atenas e Esparta, estabelecendo uma greve de amor como forma de resistência e reivindicação.

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